quarta-feira, 6 de maio de 2009

Ajude se


(Da série: Querido Diário)

Dizem que as fases da lua influenciam a mulher. Diz-se da influência da lua nas barrigas grávidas das mulheres... Se não é verdade, pelo menos tenho justificativa para o oco, muito louco. Mulher que é mulher sabe do redemoinho constante. Então tá na hora de dizer: chega! Chega de qualquer papel, não estou à venda, não sou produto. Chega de produtos de massa, forçados goela abaixo para as pessoas engolirem. Assim é fácil, ser qualquer coisa é fácil. Difícil é ser você mesmo. Raios de clichês, clichês, raios de ser freguês. Não quero nada, nada.

Engolir assim não, tem que sentir o gosto gostoso na boca, senão a vida fica sem paladar. E aí, o Mário Fofito sempre diz: "é preciso afrouxar a roupa e recuperar o paladar." Tempo de mudança, isso é fato. Se bobear, o cachimbo cai da boca, já dizia minha avó. E no entanto, ninguém é tão esperto assim e o tempo está passando. E o que importa não é como a gente foi, mas sim no fundo, no fundo, como a gente é!

Faço sala para a minha alegria e consigo ser indiferente, mesmo amando. - "Um mulherão desses, não pode quebrar o contrato com o empresário". Sim, a gente cria personagens: compõe, dispõe, escancara, se despe. Jogo delicado das tessituras das imagens, com um sopro do próprio hálito. O que entumece os biquinhos do peito, sabe? O que dá água na boca. É só saber ser quente, olhar diretamente para o fogo.

Empresários dos famosos geralmente ficam em pânico nesses momentos que remetem a Ana Cristina César: "momentos de indolência, oco, ansia oculta, uma sensação de interminabilidade sobe, sobe, pelas veias... sobe."

Sobe pelas veias a mudança de redemoinhos. Só inquietação dos hormônios injetando bílis na nossa água na boca ou estou realmente ouvindo vozes? Ah, essa nova lua nova tem cheiro e se quisermos, até nossa invenção-personagem faz a gente sentir. Cabe apenas a máscara da sutileza, o jogo do mostrar/esconder, para manter-se a si mesmo, afinal ainda somos tão jovens!

No meio do redemoinho nem dá pra ver diabo na rua, quiçá Guimarães Rosa. As influências da cultura estão aí enfiadas no nosso nariz: seja personagem de qualquer coisa, seja até produto se quiser, mas seja. Ou pratique o não-ser. Só observar o humano: o patético e o sublime. Ambos estão aí para lidar com a minha alegria. Encaro, escancaro. Ou não, nem me abalo.

A rima é só para embalar, senão me calo. Eu quero é o gosto raro e produtos que não têm preços, nada do que custe caro. A minha alegria não está a venda. É de graça!

Gracias!



*Amy Whinehouse - Help Yourself

sexta-feira, 1 de maio de 2009

É mel e é doce

Billie Holiday - If you were mine



E eles foram viajar. Por certo, percorrer a estrada era buscar a mudança de cenário, deslocar-se no espaço em busca de novas imagens, olhos ávidos de beleza. Ao desembarcarem, o cenário era belo: árvores, cores, possibilidades. Compreendia prédios novos e antigos, um ambiente de convivência e de aprendizagem.

Havia ali prédios erguidos há muitos anos a exemplo de uma arquitetura de época, mesclados a construções modernas. Havia também a linha do trem, que com certeza, já transportou muitas histórias, muitas lendas, muitas pessoas, num incansável vai-e-vem.

A primeira vez em que o viu, estavam à beira do lago. O olhar alerta, ao ultrapassar as quatro pilastras que ficavam bem na entrada, vislumbrou a bruma que envolvia aquelas águas e ia além. Noite fria, de lua crescente e linda. Ela desejou ter em mãos um equipamento para registrar a beleza, queria reter aquele momento: coisa de poeta, amém!

Contornando o lago, surpreendeu-se com pessoas e uma câmera fotográfica sobre um tripé, assemelhavam-se àquele tipo de pessoa louca que valorizava a beleza em estado bruto, que "pegava com mãos grandes" a vida que acontecia ali, solta. Debaixo da bruma, caminhara para casa, sentada na escada só cabia reflexão e encantamento, até o último trago do cigarro, naquela boca.

No dia seguinte na cidade, o quente daquele sol às pessoas agradecia, e naquele espaço de beleza, instalava-se o desejo e muita energia. As quatro pilastras já não eram obstáculos para o ir e vir, era um portal que as pessoas transcendiam rumo à vida, fora de seus lares, em busca da embriaguez naqueles aconchegantes bares.

Naquela noite, ouviram poesias, performances várias, até os cães latiam e de mão em mão a aguardente girava, para aquecer a sensação na pele, que era bem fria. Transportaram-se para outros ambientes, garrafas de vinho ou de cerveja, lugares quentes.

No fim da linha, congregaram-se ainda ouvindo Beatles, Creedence, Billie Holiday entregando-se ao reconhecimento. O inusitado daquelas caixas de som enormes e a embriaguez que tornava os rostos e as conversas disformes. Tudo alegria, muito álcool, sorrisos, anestesia! Ao voltarem para casa, já era alta a madrugada mas não havia bruma aquele dia.

O último dia ainda surpreenderia. Passearam pelo campus, observaram as árvores, as paisagens, aquela beleza veemente: cenários preservados, recantos verdes feitos para acalmar as gentes. Ela já sabia o que aconteceria, afinal, olhos ávidos de beleza, perscrutam com perspicácia as pessoas e os ambientes.

Completo sejogamento, diversão, contentamento. Todos naquele dia estavam prontos para um misterioso encantamento. Ninguém sabe como tudo aconteceu, o fato é que para se produzir conhecimento, era preciso curiosidade e sensibilidade, era preciso buscar o que sentiam, o que era desejo de verdade. Prontos mais ainda para vivencia-lo, não houve hesitação nem embate, apenas o encontro e o estender das mãos de ambas as partes.

Ao amanhecer do dia, entre abraços quentes, beijos calientes, garrafas de vinho e uma já adiantada nostalgia, despertou com o toque quente, daquelas mãos na sua pela branca e macia. As marcas daqueles beijos, por algum tempo ela ainda carregaria. Pois, a força e o desejo dele, marcou-a profundamente nos lábios, que doíam.

Olhar de poeta ou de fotógrafo, ninguém entenderia. Só mesmo o que recortaram do mundo e daqueles dias. E ao dizer adeus, ambos de camisa verde, ela com muita sede, nem imaginaria o que aqueles olhos clínicos enxergariam. Mas, aquelas fotos à beira do lago, retendo o encantamento eram tudo o que valia. Viajando de volta para casa, sentiu um gosto doce na boca, putz, o gosto da alegria! :)




(Foto: Frávio Carbonário http://www.flickr.com/photos/fravio23/)